segunda-feira, 17 de outubro de 2011

 

As perplexidades do Direito Penal



A história que o «Diário de Notícias» nos conta já não é nova, mas mantém ainda toda a actualidade: o Tribunal de Santo Tirso condenou a dois anos e meio de prisão, embora com a execução da pena suspensa, o “falso padre” que durante quatro anos celebrou missas, casamentos, baptizados e funerais em todo o país, inclusive na Sé de Braga.

Pelo que lemos na notícia, o falso padre foi punido porque burlou três pessoas a quem tem agora de indemnizar e pedir desculpas. Muito bem!
Mas, ao que parece, o sujeito foi também punido por “usurpação de funções” e porque “lesou a fé das pessoas”.

E é aqui que a porca torce o rabo:
Em primeiro lugar porque a sentença judicial não nos explica o que raio é isso de “lesar a fé das pessoas”. Até agora sempre pensei que a «fé» era algo que existe ou não existe. E que, quando efectivamente existe, não há força humana – nem sequer divina – que consiga “lesar”.

Em segundo lugar, porque a sentença judicial parece estabelecer que para “lesar a fé das pessoas” é preciso uma autorização, assim uma espécie de alvará, que se obtém depois da frequência de um curso num seminário qualquer, depois do qual se adquire o título de padre, diácono ou sacerdote, ou lá o que é isso, ou ainda mais sugestivamente de “vigário”.

Com efeito, nunca vi nenhum “vigário” ser punido por “lesar a fé das pessoas”, quando lhes leva dinheiro para lhes tirar os pecados ou, com o único fito de lhes extorquir o dinheiro que têm, e até frequentemente o que não têm, as tenta convencer a peregrinar a um sítio onde a mãe virgem de um carpinteiro judeu que viveu há dois mil anos apareceu no cimo de uma azinheira para transmitir mensagens idiotas a três pastores atrasados mentais.
Deve ser porque tem alvará...

Em terceiro lugar, porque o “falso vigário”, passe a expressão, foi também condenado por “usurpação de funções”.
E é aqui que reside a maior perplexidade:
Será que é possível punir criminalmente por “usurpação de funções” alguém que se faça passar por psíquico, médium, parapsicólogo, astrólogo, tarólogo, vidente, vedor, padre, bispo, cardeal ou Papa, etc., etc., ou até mesmo por “médico” homeopata?
Como pode alguém “usurpar” coisas deste… género???

Ao mesmo tempo que deveria ser condenado por burla e a indemnizar as pessoas a quem extorquiu dinheiro, não deveria antes ter sido o homem condecorado - e agraciado com um subsídio estatal - por mostrar aquilo que é tão óbvio que deveria entrar pelos olhos dentro das pessoas?

De facto, não deveria alguém ser legalmente punido por “usurpação de funções” somente quando essas funções tivessem um mínimo de dignidade para merecer a atenção da lei penal quando eventualmente fossem “usurpadas”?...



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