segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

 

A Presidência e a Bomba de Gasolina



Talvez o menos importante seja a estúpida infantilidade de tentar determinar o sentido da opinião pública através de notícias sopradas mais ou menos à socapa a jornais de consabida fidelidade político-partidária por misteriosas «gargantas fundas» presidenciais.

Talvez até já nem tenha importância alguma a «aventura» presidencial com a promulgação do Estatuto Político-Administrativo dos Açores, que Cavaco Silva geriu com uma falta de jeito confrangedora.
Sinceramente, não entendo onde se encontra essa tal famigerada «diminuição de poderes», se o Presidente tem de fazer mais duas auscultações institucionais antes de eventualmente dissolver uma Assembleia Regional.
Repare-se que não tem de “pedir autorização”! Tem simplesmente de “ouvir” a Assembleia e o Governo regionais antes de tomar uma decisão, que pode muito bem ser contrária àquilo que resultou das auscultações. E até de todas elas.

Ou seja, e das duas uma:
- Ou o problema é político ou, ao contrário, é do foro constitucional.

Mas se fosse do foro constitucional, o Presidente teria certamente enviado a lei para o Tribunal Constitucional. E não o fez!
E se não o fez, é porque encara o problema como exclusivamente político, e então Cavaco geriu-o de uma forma inusitadamente tosca, que não deixa ficar nada bem a imagem do Órgão de Soberania cujo exercício lhe está confiado.
Como seria de esperar e era exigível que o tivesse previsto quando resolveu brincar às escondidas com a Assembleia da República, Cavaco Silva perdeu!

Depois, Cavaco Silva ainda veio para a televisão choramingar e fazer queixinhas aos portugueses e dizer em comunicado, com um ar muito ofendido e contristado, que ficou «à mercê da contingência da legislação ordinária» aprovada por «uma maioria parlamentar de momento» e ainda que foi vítima de «interesses partidários de ocasião que se sobrepuseram aos superiores interesses nacionais».

Pelos vistos Cavaco Silva ainda não percebeu que um Presidente da República eleito por voto directo, universal e secreto num regime constitucional «semi-presidencialista» não está ali para choramingar e para fazer lamúrias e queixinhas aos portugueses.
- Está ali para tomar decisões!

E então é caso para perguntar: para que raio queria o Presidente mais poderes no que concerne às regiões autónomas se os que já tem, pelos vistos, e no caso da Madeira… não os usa?
Porque se deixou Cavaco achincalhar por Alberto João Jardim na visita de Estado que fez à madeira e nem um suspiro dele ouvimos quando ocorreu a indignidade criminosa do encerramento da Assembleia Regional após o show-off do deputado do PND?

Então, mas que raio de Presidente da República é este que, confrontado com uma Assembleia da República a quem acusa de fazer «sobrepor interesses partidários de ocasião» a «superiores interesses nacionais», pura e simplesmente não dissolve essa mesma Assembleia da República?

Se um Presidente da República nada faz quando vê mesmo à sua frente serem afrontados os «superiores interesses nacionais», para que serve este Presidente da República? Para cortar fitas? Para ser «o senhor Silva» e ser achincalhado e humilhado em silêncio na Madeira?

Como se não bastasse, Cavaco Silva ainda teve o arrojo de nos vir dizer no seu comunicado que nunca ninguém poderá alguma vez dizer que não fez TUDO o que estava ao seu alcance para defender aquilo que considera «os superiores interesses do Estado».

Não, não fez: é mentira!
Cavaco ainda tinha à mão um último recurso que a Constituição lhe confere:
- Dissolver a Assembleia da República.

Poderá, contudo, dizer-se que o Presidente não considerou o caso de tal forma grave que justificasse a utilização desta «bomba atómica» que é a dissolução do Parlamento.
Pois é:
Mas se o caso não era afinal assim tão grave, então a última coisa que os portugueses queriam era ver o seu Presidente humilhado a lamber em público as feridas de um confronto institucional e a choramingar indignamente na televisão.

E quando se pensava que três anos depois de ter sido eleito Cavaco Silva já tinha batido no fundo, eis que o nosso Presidente resolve afrontar talvez o melhor e certamente um dos mais prestigiados jornalistas portugueses e, sem dúvida, um dos jornalistas que no nosso país mais tem honrado a sua profissão: Mário Crespo.

Na sua crónica semanal no «Jornal de Notícias», Mário Crespo conta-nos que depois de se ter referido às manchetes com base em "fontes de Belém" que, diz, foram criando no público a percepção das desconfianças presidenciais quanto à estratégia orçamental do Governo de Sócrates, acabou por merecer a atenção do chefe da Casa Civil do presidente da República.

De facto, por mais incrível que isso pudesse parecer, Nunes Liberato decidiu enviar uma nota em papel timbrado da Presidência da República a desmentir Mário Crespo e a negar factos evidentes que todos os portugueses andam há meses a ver escarrapachados nas primeiras páginas dos jornais.

O que isto quer dizer é que Aníbal Cavaco Silva tem uma interpretação muito peculiar das suas funções como «o mais alto magistrado da Nação» e o «garante primeiro do regular funcionamento das instituições democráticas».

E é então, por isso, que graças a este interessante Presidente podemos em Portugal assistir a esta suprema e inqualificável indignidade:
Vermos a Presidência da República enviar uma nota oficiosa com a solenidade do seu próprio papel timbrado não só para a Direcção de Informação da SIC mas para a sua própria Administração, isto é, pessoalmente para Francisco Pinto Balsemão.

O próprio Mário Crespo se questiona: Porquê? Para Quê?

A resposta é simples:
O Presidente da República pretendia que a atitude de um jornalista que ousou criticá-lo não ficasse inconsequente.
Se não fosse isso, como é óbvio, não tinha mandado comunicado nenhum.

Ao transmitir o seu desagrado à Administração da SIC, em comunicado oficialmente solene, Cavaco Silva não queria outra coisa: que Balsemão despedisse ou, pelo menos, que silenciasse Mário Crespo, com a óbvia ameaça dissuasora que isso passaria de futuro a constituir para todos os restantes jornalistas portugueses.

Com isto, Cavaco Silva deu uma vez mais com os burrinhos na água, ao demonstrar que nem sequer conhece nem Mário Crespo nem Pinto Balsemão.

E, com tudo isto, talvez Cavaco Silva demonstre que afinal pensa que se pode exercer a presidência da república de um país como se gere uma bomba de gasolina em Boliqueime.

E, o pior, é que o Sr. Silva não é o único que pensa assim…




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