terça-feira, 27 de janeiro de 2009

 

Assassínio de Carácter



Que interessa analisar em detalhe os pormenores do licenciamento do «Freeport» de Alcochete?
Que interessa analisar o processo, a sucessão cronológica do tratamento burocrático do licenciamento ou a legislação que foi sendo aplicável ao caso?

Para quê?
O «Caso Freeport» já cumpriu o seu objectivo:
Porque este caso constitui sem dúvida um dos mais paradigmáticos exemplos do que é a mais mesquinha e mais tipicamente portuguesa forma de assassínio de carácter de um cidadão, seja ele ou não o primeiro-ministro.

Ninguém ainda ousou afirmar que José Sócrates tomou ele próprio e pessoalmente qualquer atitude ilegal ou sequer suspeita.
Ah! Mas não faltará o «não há fumo sem fogo».
E, no final, restará a mancha indelével sobre a honra, a consideração e a dignidade de um cidadão, que se fundamenta não mais do que em «indícios» soprados com o desdém de que «esta gente é tudo a mesma coisa».

Contudo, se é até confrangedora a forma como vemos relatar os «indícios» inequívocos de que «aqui há gato», já é triste, muito triste, vermos sapientes análises de «especialistas em assuntos não especializados» que, sem conhecerem o que se passa do lado de fora dos seus gabinetes e sem perceberem um mínimo do giro empresarial e do seu normal relacionamento com as autoridades administrativas, referem reuniões suspeitas (obviamente porque todas as reuniões são suspeitas).
Falam de tios e primos com contas bancárias e tudo (porque se o tio e o primo estão metidos nisto e ainda por cima têm contas bancárias, então não é preciso dizer mais nada) e descobrem prazos anormalmente rápidos de deferimento de um processo (mesmo que se trate de um despacho que aprecia uma correcção solicitada por um despacho anterior), para depois proferirem uma sentença dotada de uma clarividência obviamente irónica:
- Culpado!

Culpado de quê? Que acto foi praticado pessoalmente e em concreto pelo primeiro-ministro?
Oh! Mas o que é que isso interessa?

No final, a peculiar interpretação do que é a deontologia profissional que se vai generalizando na comunicação social portuguesa, a quem, por falta de comparência dos partidos foi delegado o papel de oposição ao Governo, encarrega-se de julgar sem provas e de condenar à morte sem possibilidade de recurso a honorabilidade de um cidadão.

Para quê, então analisar o processo em detalhe?
No final, quando a espuma do caso assentar, já as eleições estarão mais próximas e lá ficará a sombra da dúvida a pesar sobre uma honra, sacrificada em nome de um obscuro objectivo político-partidário, em nome da venda de mais meia dúzia de jornais e do adiar por mais um par de meses da morte anunciada de um semanário de inenarrável qualidade.

Sim:
Para quê analisar o assunto em detalhe, se ele já chegou ao fim no preciso momento em que cumpriu o objectivo para que foi criado?
Para quê analisar o assunto, se ninguém jamais ouvirá a análise de um processo sobre o qual já proferiu a sua sentença e retirou já as suas conclusões definitivas?

Para quê pensar mais no assunto, se até temos o benefício acrescido de relegarmos para o esquecimento mediático casos como suspeitas falências bancárias observadas complacentemente por cliques partidárias, casos envolvendo sobreiros ou tumultuosos furacões?

Se virmos bem, acabamos por nunca mais ouvir falar de dezenas de casos que, depois de cumprirem a sua via-sacra pelas primeiras páginas dos jornais, acabam por cair no esquecimento, obscurecidos sucessivamente por outros e outros e outros… e no fim, tudo fica na mesma.

Hoje fala-se no «Caso Freeport».
Quem se lembra ainda, por exemplo, destes dois?

No site da RTP:
«O Conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República estudou o processo do Casino de Lisboa e concluiu que o Governo de Santana Lopes alterou a Lei do Jogo em 2004 expressamente para corresponder aos desejos da sociedade “Estoril-Sol”».
«O ministro do Turismo, Telmo Correia, esteve de acordo com as alterações introduzidas ao Decreto-lei, apondo “tomei conhecimento” no parecer da Inspecção-Geral dos Jogos que afirmava que o Casino de Lisboa era da Estoril-Sol»

No «Público»:
«Governo de Santana Lopes aprovou pagamento à Bragaparques dois dias antes das eleições»
«Este contrato, destinado à concessão de exploração por 20 anos do parque de estacionamento, hotel e centro comercial que a Bragaparques veio a construir nos terrenos do hospital, foi recentemente considerado nulo pelo Tribunal de Contas».

Sim:
Quem é que ainda se lembra disto?...




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