quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

 

A Poesia Política



Vamos supor que Manuel Alegre, que diz que já não se revê nos ideais e nas políticas fundamentais “deste PS”, resolve, num gesto de dignidade política e intelectual, abandonar o partido.

Vamos supor que até vai mais longe do que isso e, num gesto de larga coerência, diz «não!» e deixa o seu lugar no Parlamento.

Vamos supor, então, que Manuel Alegre formava um novo partido político e que conquistava um resultado eleitoral que lhe permitia formar Governo.

Pois bem:
Importa então perguntar o que faria este nosso novo "Primeiro-ministro Manuel Alegre" nalgumas das políticas fundamentais sobre que têm consistido as suas principais críticas à governação de José Sócrates:

- Suspendia a avaliação de desempenho dos professores e institucionalizava a sua «auto-avaliação», obviamente precedida de uma «reflexão»?
- Suspendia o Estatuto do Aluno e o Estatuto da Carreira docente?
- Que implementaria em sua substituição? Deixava ficar tudo como estava antes?
- Suspendia a avaliação dos funcionários públicos?
- Decidia um aumento do funcionalismo público superior a 2,9%? Para quanto?
- Aumentava o ordenado mínimo acima dos 450 euros? Para quanto?
- Reabria todos os Centros de Saúde que foram encerrados pelo Governo do PS?
- Que medidas concretas tomava para os equipar de meios humanos e técnicos aptos ao seu funcionamento?
- Que medidas macro-económicas precisas e concretas tomaria para baixar a taxa de desemprego que tanto o tem afligido?
- Aumentava as pensões? Para quanto?
- Aumentava o subsídio de desemprego?
- Aumentava os impostos? Diminuía os impostos?
- Que decisão tomava sobre o montante que estava disposto a fixar para o défice do PIB?
- Nacionalizava os sectores de produção que se revelassem deficitários?
- Deixava falir o BPN e o BPP?
- Suspendia o aval do Estado a todos os empréstimos bancários, mesmo que isso implicasse a falência de mais instituições bancárias?
- Que medidas concretas tomaria quanto às consequências que se seguiriam a estas decisões?
- Garantia os depósitos bancários nos bancos falidos a toda a gente?
- O que faria em concreto para «diminuir a desigualdade social» entre os portugueses?
- Não tendo maioria absoluta, com quem negociaria a aprovação dos Orçamentos?

Uma coisa é certa:
Manuel Alegre pode ser uma invulgar e inultrapassável referência da nossa democracia.

Mas uma coisa é a «poesia política», outra é o pragmatismo de quem tem de tomar decisões e de lidar com situações precisas e bem concretas de um determinado estado de coisas que existe, e que não pode ser ignorado.

Uma coisa é aparecer na televisão a papaguear a «vertente social» e que «isto está mal», ou a constatar «este estado de coisas» ou «o descontentamento das pessoas», que obviamente toda a gente que tem olhos na cara está a ver também.
Mas outra coisa bem diferente é dizer-nos o que faria para modificar tudo isso.
E, se virmos bem, Manuel Alegre nem uma palavra nos diz sobre o assunto.

Manuel Alegre é um poeta e um emérito democrata.
Mas é também um lírico ingénuo. Que nem sequer conhece os dossiers sobre que se pronuncia.

Mais do que isso, Manuel Alegre está infectado por um esquerdismo irrealista que tão bem o liga ao Bloco de Esquerda, com quem tem descoberto tantas afinidades nos últimos tempos.

Nessa alucinação, que não é de esquerda mas sim miseravelmente «esquerdista», Manuel Alegre já aparece a acolher acriticamente o slogan mais trauliteiro, mais cínico e vazio de significado do Bloco de Esquerda, que todos os dias vemos repetido (tantas vezes naquele tom de corneta baixinho e soprado de Francisco Louçã) da Assembleia da República às Assembleias Municipais e que se poderá talvez resumir nesta singela frase:

- Não podem ser as pessoas a pagar isto; tem de ser o Estado!

O que é pior, é que Manuel Alegre já nem se apercebe do miserabilismo político e intelectual que esta frase só por si significa.




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