quarta-feira, 14 de novembro de 2007

 

A Derrota do Secularismo



Na última edição do «Expresso», João Carlos Espada volta a ganhar o Reino dos Céus.

Desta vez descobriu nada mais nada menos que isto: «a tese modernizadora/secularista foi refutada pelos factos».

Mas que não se pense que João Carlos Espada diz estas coisas assim de ânimo leve e sem pensar.
Não.
É que ele tem provas!

- A primeira, é que quem faz tal afirmação é a edição de 3 de Novembro de “The Economist”, que como toda a gente sabe tem «uma qualidade a que já nos habituou».

- A segunda é que é o próprio Peter Berger quem admite que se enganou quando afirmou o contrário e é, por isso mesmo, abundantemente citado por aquele jornal pela sua coragem intelectual.

- A terceira, e indiscutivelmente a mais arrasadora das provas, é que, segundo João Carlos Espada «a percentagem de crentes das quatro maiores religiões do mundo - cristianismo, islamismo, budismo e hinduísmo - cresceu de 67% em 1900 para 73% em 2005 e pode chegar aos 80% em 2050».

Pois é.
Para João Carlos Espada é a estocada final: o Secularismo foi derrotado!
O «Modernismo», a Ciência e, enfim, essa coisa horrível que é o Racionalismo estão de pantanas.

Para João Carlos Espada, os factos demonstram-no: ganhou o Irracionalismo; ganhou a Fé!
VIVA!

E as provas são irrefutáveis:

- Em primeiro lugar, temos a qualidade a que já nos habituou “The Economist”, embora eu nunca tenha visto um jornal a escrever um artigo. Jornalistas, sim, tenho visto alguns. E isto passando de través pelo facto de que o budismo não é, por si, uma religião;

- Em segundo lugar, temos a invulgar inteligência, clarividência e lucidez de Peter Berger, que são coisas que, como toda a gente sabe, só um teólogo pode ter.
Isso de ter previsto uma crescente secularização da sociedade e ter reconhecido que se enganou (o que fez há quase um quarto de século) já é para João Carlos Espada prova bastante;

- Em terceiro lugar vêm então as estatísticas: a percentagem de crentes cresceu de 67% em 1900 para 73% em 2005.

Pois é.
Só é pena algumas coisitas sem importância que escaparam ao João Carlos Espada na sua jornada para o Reino dos Céus:

A primeira é que o facto de um teólogo, mesmo que seja um teólogo protestante, se ter enganado pode ser prova de tudo menos de que alguma vez tenha tido razão.
A teologia não é nada mais do que um ramo da ignorância. Se um teólogo diz hoje uma coisa e amanhã o seu contrário, o que é mais provável é que se tenha enganado das duas vezes.

A segunda é que as percentagens de adeptos de uma ideologia, por mais elevadas que sejam, não significam necessariamente que as mesmas estejam correctas.
A não ser que o João Carlos Espada esteja preparado para justificar ideologicamente Adolf Hitler, que foi chanceler em 1933 depois de ter ganho as eleições.
Ou que esteja a dizer-nos subrepticiamente que é um fervoroso apoiante de Hugo Chávez e da esmagadora maioria da população venezuelana que o elegeu.

A terceira coisita sem importância é que se é verdade que a crescente percentagem de crentes nas principais religiões significa uma derrota do secularismo, talvez seja ocasião para o João Carlos Espada nos explicar como concilia o gáudio que isso lhe traz com os atentados do 11 de Setembro, de Madrid ou de Londres, ou a com crescente influência do absurdo e assassino fundamentalismo islâmico ou evangélico a que assistimos por esse mundo fora.

Mas há mais: é que se em 2005 havia no mundo 73% de crentes nas principais religiões, talvez fosse ocasião para João Carlos Espada nos dar algumas explicações sobre a distribuição exacta destas estatísticas.
Pois que é sabido que nos países civilizacionalmente mais desenvolvidos as percentagens de crentes são precisamente inversas. Na Suécia, por exemplo, só pouco mais de 20% das pessoas dizem acreditar num Deus.

E só para dar mais uma achega, talvez fosse bom que quando tornar a falar de estatísticas e de percentagens de crentes para tentar demonstrar racionalmente o seu irracionalismo, o João Carlos Espada saiba que nos Estados Unidos, onde existe uma percentagem de crentes próxima de 90%, a sua Academia das Ciências conta com 96% de ateus. Na Inglaterra essa percentagem sobe para 98%.

Mas enfim: isso são sítios onde o João Carlos Espada nunca terá entrada.

Até por que ele preferirá, decerto, a companhia daqueles que na sua Fé lhe estão percentual ou estatisticamente mais próximos: seja no Vaticano em solidariedade com o refúgio pedófilo do Cardeal Bernard Law, seja num campo de treinos de bombistas suicidas no Irão, seja numa qualquer aldeia da Síria, seja numa sede do Hamas na Faixa de Gaza, seja num kibbutz nos Montes Golan, seja no palácio do Presidente da Polónia, ou seja até numa obscura caverna das montanhas do Afeganistão a fazer companhia ao exílio clandestino de Osama Bin Laden.

Na derrota do Secularismo e na Fé que a todos os une, para João Carlos Espada isto é tudo muito boa gente.
E ainda por cima estão em crescente maioria no mundo, não é?...




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