segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

 

Falhas de ética



«Pensariam os mais ingénuos que estava encerrada a novela aborto com o resultado do referendo do passado dia 11 de Fevereiro, que não deixou margens para dúvidas sobre a posição da sociedade nacional em relação a este tema pseudo-fracturante.

Na realidade, o tema só é fracturante para aqueles que insistem em remeter Portugal para um passado marialva em que imperavam os três efes, Fátima, futebol e fado.
Para esses de facto o tema é fracturante, não de per se mas porque é um símbolo da fractura do paradigma mariano de menorização da mulher, paradigma que não reconhece direitos ao sexo «fraco» apenas deveres. Para esses misóginos, conceder liberdade de consciência às fúteis e ocas mulheres é uma «loucura e erro» que tentam evitar por todos os meios que se efective.

Assim, uma das primeiras «obras» do Opus Dei e paladino pró-penalização Bagão Félix na pasta do Trabalho e Segurança Social foi alterar o nº1 do artº 10 da Lei 4/84, a lei de protecção da maternidade e paternidade que vigorou até 1 de Dezembro de 2003. Desde então, pela mão do piedoso católico, uma mulher que sofra mazelas em virtude de um aborto clandestino e seja hospitalizada 5 dias é despedida com justa causa, portanto sem direito a qualquer indemnização!
O artº 50 do Código do Trabalho, sobre o «Regime das licenças, faltas e dispensas» diz explicitamente que «fica excluído o chamado aborto clandestino, cujas faltas por ele causado determinam a perda de direitos para as mulheres trabalhadoras».
O mesmo paladino da moral e bons costumes que reduziu o valor da licença de maternidade e eliminou a universalidade do abono de família...

É assim vísivel para todos o menosprezo pela mulher evidenciado pelos pró-penalização, que ulularam durante a campanha não querer ver mulheres na prisão pela prática de aborto mas carpiam serem as mulheres umas inconscientes acéfalas que abortariam por dá cá aquela palha se o aborto fosse despenalizado.
Asseverando ser a criminalização do aborto – que apenas o remeteria para a clandestinidade de vãos de escada e hemorragias de Citotec, todos os organismos internacionais confirmam que a criminalização do aborto não é impedimento para que este seja efectuado – a única forma de proteger de si próprias estas criaturas fracas das ideias, amorais e sem vontade própria.

Com o SIM vencedor por larga margem, os fundamentalistas do NÃO preparam-se agora para tentar boicotar o referendo impondo na secretaria o que não conseguiram nas urnas. Isto é, pretendem pôr tantos obstáculos à realização da IVG que na prática fique tudo como antes! Para isso, aqueles que antes vociferavam não querer ver o dinheiro dos seus impostos a financiar abortos, exigem agora que a futura lei remeta a IVG em exclusivo para o SNS, pretendendo que seja proibida em clínicas privadas. Serviço Nacional de Saúde onde «exigem» que a opção da mulher seja obrigatoriamente sancionada por uma comissão de aconselhamento!

Na prática pretendem tornar futura legislação sobre a IVG a «lei inútil» que a Igreja Católica e suas sucursais leigas exigem.
A Federação Portuguesa pela Vida, uma sucursal da Igreja de Roma, apressou-se assim a exigir «aconselhamento e acompanhamento» obrigatório às mulheres que pretendam abortar. Engonhando ad eternum, isto é, impedindo, a concretização da opção da mulher tal como aconteceu nos últimos 20 anos a muitas mulheres nas condições previstas no artigo 142º do Código Penal, de que é apenas um exemplo Maria Luísa Morgado Castela, a paraplégica de 41 anos que teve de ir interromper a Badajoz uma gravidez de alto risco detectada às 4 semanas!

O primeiro ministro já deu provas no Expresso desta semana que não embarca na conversa da treta de fundamentalistas sortidos e prometeu legislação consentânea com o resultado eleitoral dentro de um mês.
Mas o nosso PR já mandou recado à AR que estará vigilante em relação à legislação que despenalizará a IVG. Diz o nosso Presidente católico que a lei a ser criada deverá ser abrangente e consensual, não se percebendo como pretende seja consensual legislação sobre um tema que garante dividir profundamente a sociedade.
Aliás, não se percebe onde está a divisão profunda da sociedade se relembramos que apenas um milhão e meio de portugueses se dispuseram a declarar nas urnas contra a despenalização da IVG e cerca de dois milhões e setecentos mil portugueses votaram em outros candidatos a presidente.

Convém recordar ao nosso presidente «fracturante» que os portugueses estarão vigilantes em relação a golpes palacianos que contrariem o voto popular. E que não aceitaremos vetos presidenciais, político ou jurídico, à democracia.
O que quer que a dança das cadeiras no Tribunal Constitucional de Março próximo determine, seria desastroso para o credibilidade da democracia remeter ao TC uma alteração ao Código Penal aprovada em referendo, com uma pergunta aprovada duas vezes pelo próprio TC.».
(Continua)

- Um artigo de Palmira F. da Silva



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