terça-feira, 9 de janeiro de 2007

 

O Preço da Dignidade



Se há alguma coisa de que os professores portugueses têm noção é da realidade precisa e concreta do país em que vivem.
Nem podia ser de outro modo: a proximidade que têm do «país real» no mais variado tipo de escolas e de turmas confere-lhes um lugar privilegiado na ribalta da sociedade portuguesa.

Prova disso é que os professores bem sabem até onde podem ir na sua responsabilidade profissional.

Que fique desde já aqui bem claro, que não pretendo fazer generalizações tão absurdas como injustas para tantos professores que levam a sério e com competência e honestidade as suas profissões.
Mas o que é também facto é que esses mesmos professores, por incompreensível que isso me pareça, estão confortavelmente felizes e conformados em ver-se misturados, confundidos e «metidos no mesmo saco» com toda uma classe que cada vez mais goza da triste fama de ser a classe profissional com os mais elevados índices de absentismo de todas as classes profissionais portuguesas.

Porque são bem conhecedores do país em que vivem, os professores estão já habituados a que para nada contem os resultados da sua competência ou incompetência pedagógica para a sua progressão até ao topo da carreira.
Competentes ou incompetentes, tudo sobe, minha gente!

Como estão também habituados a que nenhum significado relevante tenha a sua assiduidade para a sua avaliação profissional. Ou até para o seu salário.
Até porque há sempre um médico amigo com um modo mais peculiar de encarar a sua honra profissional que passa um atestado, que toda a gente sabe que é falso mas que tem o milagroso efeito de amnistiar todas as faltas.

O absentismo dos professores tocou já as raias de um absurdo de tal ordem, que o Ministério da Educação teve de implementar um sistema de «aulas de substituição».
Estas aulas de substituição teriam a dupla virtualidade de manter ocupados os alunos e de minimizar as consequências da falta do professor, e seriam dadas por outros professores que não estivessem em actividades lectivas embora se encontrassem na escola dentro dos seus horários normais de trabalho.

Pois é: mas os professores e os seus insignes sindicatos não gostaram, e interpretaram esta medida do Ministério da Educação como um autêntico insulto e uma inqualificável afronta à sua honra, consideração e dignidade profissionais.

E então o que fizeram os professores?
Porque são bem conhecedores do país em que vivem, os professores fizeram duas coisas:
Em primeiro lugar andam a fazer de conta que dão aulas de substituição, que acham inúteis e despropositadas, e numa curiosa interpretação do conceito de honestidade profissional, transformam essas aulas num autêntico rega-bofe e põem os alunos a fazer os que muito bem lhes apetece, enquanto eles próprios lêem o jornal ou jogam "Sudoku".

Em segundo lugar, e porque são bem conhecedores do país em que vivem, os professores sabem bem que os tribunais e os juizes portugueses não têm, na sua generalidade, a mínima noção do conceito de «separação de poderes», e acham que vivem numa «República de Juizes» onde o poder judicial (que curiosamente nem sequer é democraticamente legitimado por eleições) se deve sobrepor ao poder legislativo e ao poder executivo.
Prova disso, foi o provimento dado a algumas providências cautelares contra o encerramento de maternidades determinado pelo Ministério da Saúde dentro das normais competências administrativas que lhe competem.

E então, e porque são bem conhecedores do país em que vivem, os professores e os seus ilustres sindicatos decidiram demandar o Ministério da Educação nos tribunais administrativos procurando que as tais infames aulas de substituição, e que tão ofensivas são para a dignidade profissional dos professores, lhes sejam pagas como... horas extraordinárias.
Isto apesar de serem dadas durante os seus horários normais de trabalho!

E porque todos somos bem conhecedores do país em que vivemos, não é de admirar, pois, que já em dois casos distintos os tribunais administrativos tenham descoberto o curioso conceito de «trabalho extraordinário dentro do horário de trabalho» e tenham decidido nesse sentido.

Ou seja:
As famigeradas aulas de substituição de repente deixam de ser uma aberração, deixam de ser inúteis e deixam até de ser uma afronta à dignidade dos professores, mas unicamente desde que sejam... pagas como horas extraordinárias!!!

É como se, de repente, os professores tivessem encontrado na remuneração extraordinária de cada uma dessas aulas de substituição o preço da sua dignidade profissional...


Senhora ministra: por favor, não desista!!!




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