domingo, 19 de fevereiro de 2006

 

A Profanação do Cadáver



Código Penal Português:
Artigo 254º
(Profanação de cadáver ou de lugar fúnebre)

Quem:
...
b) Profanar cadáver ou parte dele, ou cinzas de pessoa falecida, praticando actos ofensivos do respeito devido aos mortos; ou
c) Profanar lugar onde repousa pessoa falecida ou monumento aí erigido em sua memória, praticando actos ofensivos do respeito devido aos mortos;
é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.



Por iniciativa da Santa Madre Igreja e, não fosse o Diabo tecê-las, sob forte escolta policial (obviamente paga pelo Estado), e ainda com a complacência do Ministério Público, o cadáver de Maria Lúcia de Jesus e do Imaculado Coração de Maria foi hoje profanado.

Arrancado ao túmulo instalado provisoriamente num convento (com a complacente situação de excepção que o Estado e as autoridades públicas portuguesas persistem em conceder aos bons católicos e aos seus cadáveres), o corpo da Irmã Lúcia foi transportado para o Santuário de Fátima onde repousará agora, e até ver, definitivamente.

O macabro transporte foi acompanhado no seu trajecto por intermináveis reportagens em directo de todas as estações de televisão, embora quase sempre com imagens idênticas.
Mas todas com comentários mais ou menos idiotas e proferidos em voz sussurrada e em tom de abjecto auto-amesquinhamento e de uma cautelosa submissão, não se sabe bem a quê.

Ao longo do trajecto viam-se inúmeras pessoas, todas ansiosas por um relance do santo caixão e até, quem sabe, na ânsia de que uma pequena snifadela aos gazes da decomposição do corpo do santo cadáver lhes pudesse proporcionar uma overdose de santidade que lhes garantisse a remissão de secretos e inconfessáveis pecados, e lhes franqueasse milagrosamente as portas do Reino dos Céus.

Foram rezadas missas e entoados cânticos, tudo, e como de costume, em tom circunspecto, respeitoso e muito humilde.
Assim como se os fiéis estivessem a cumprir uma espécie de divina necessidade de louvor e glorificação, que lhes exige uma permanente pose de submissão canina.


Tendo como único crime praticado a sua pacóvia simplicidade, a Irmã Lúcia foi, ainda em criança e sem qualquer hipótese de recurso, impiedosamente condenada a prisão perpétua pela Igreja Católica.

Não fosse alguém duvidar dos critérios da mãe de Deus na escolha de três crianças alimentadas a sopas de cavalo cansado para transmitir uma mensagem à Humanidade, durante uma vida humana desperdiçada por uma clausura que durou 87 anos, a Irmã Lúcia só foi exibida fugazmente a intervalos estudadamente regulares.

Foi uma vida humana sacrificada a meros objectivos publicitários e promocionais de uma gigantesca fraude, que até, e antes de mais, começa por ser insultuosa para a inteligência e até para a fé dos próprios católicos.

Usada em vida, a irmã Lúcia continua agora a ser usada, sem qualquer vergonha ou pudor, mesmo depois de morta.
E tudo por mais, mas muito mais, do que 30 dinheiros...




(Publicado simultaneamente no «Diário Ateísta»)




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