sexta-feira, 28 de outubro de 2005

 

O Louvor a Cavaco



Cavaco Silva apresentou esta quinta feira o seu manifesto eleitoral.

Não que fosse preciso: os apoios incondicionais a Cavaco estão já perfeitamente encontrados, qualquer que seja o seu programa político, qualquer que seja o «contrato político» que se proponha celebrar com aqueles cujo voto pretende.

Aliás, Cavaco Silva bem sabe que qualquer definição política que se “descaia” a proferir só lhe poderá ser prejudicial.
Se a indefinição dos “tabus” e o longo tempo a navegar nas meias águas do cinzentismo político o levaram à cabeça das sondagens, a frontalidade política só poderia roubar-lhe votos.

Por isso, o seu manifesto eleitoral não passa de um conjunto de generalidades e banalidades. De tal forma, que ouvi um comentador político dizer que fazia lembrar... o de Mário Soares.

É curiosa esta reincidência no apelo a Cavaco, assim numa espécie de “sebastianismo” tão recorrente para os portugueses, sempre à procura de um “Salvador da Pátria” que nos tire da desgraça.
Porque nós sozinhos não somos capazes...

E é interessante a falta de memória daqueles que agora, e uma vez mais, principalmente dentro do P.S.D., idolatram a figura messiânica de Cavaco, esquecendo-se que foi ele próprio quem uma vez disse que a mesma água não passa duas vezes debaixo da mesma ponte.
Mas passa. E quem sabe se da mesma maneira!


Tudo isto me faz lembrar o tempo em que Cavaco Silva se candidatou à presidência da república, concorrendo com Jorge Sampaio.
Senão vejamos:

Naquela ocasião vigorava na sociedade portuguesa a profunda convicção de que os portugueses não quereriam pôr «todos os ovos no mesmo cesto», e nunca iriam votar simultaneamente num Governo e num Presidente da mesma filiação partidária, antes escolhendo uma espécie de vigilante equilíbrio de poderes entre os diferentes órgãos de soberania.
Por outras palavras, a confiar-se nas sondagens que unanimemente davam a vitória a António Guterres nas legislativas seguintes, previa-se que, correspondentemente, Cavaco Silva fosse eleito Presidente da República.

Por outras palavras ainda: quanto mais certa fosse a vitória do P.S., mais certa seria a vitória de Cavaco.
A tal ponto, que dava até a sensação que, para tornar mais certa a vitória de Cavaco, nada melhor que tornar mais certa a derrota do PSD, e mais certa a vitória dos socialistas.

Foi então que o PSD em peso, investindo todos os seus esforços políticos na candidatura presidencial, “entregou o ouro ao bandido” e se abandonou ao certo e inelutável destino da anunciada derrota nas legislativas.
De tal modo que se assistiu à debandada geral: ninguém queria ficar politicamente comprometido, e com o seu nome e reputação manchados e associados à derrota certa e anunciada que aí vinha.
O principal teorizador desta brilhante teoria política, e também o principal protagonista deste abandono foi, obviamente, Aníbal Cavaco Silva. E atrás dele, todo o PSD.

Mas com uma, e talvez única, excepção: Fernando Nogueira!

Com uma grandeza e um dignidade difíceis de encontrar na vida política portuguesa, Fernando Nogueira tomou as rédeas do partido e, sacrificando todo o seu futuro político, levou o PSD do descalabro das legislativas que elegeram Guterres às imaculadas e virginais mãos de Marcelo Rebelo de Sousa, a quem no congresso seguinte entregou o partido de mão beijada.

De seguida retirou-se da vida política e partidária com a mesma dignidade e grandeza com que as tinha vivido.
Recordo que, durante a campanha eleitoral, Fernando Nogueira teve mesmo de suportar ser publicamente desmentido por Cavaco Silva que, num amesquinhamento e num desprezo inqualificáveis, o sacrificou, e também ao partido, no altar das presidenciais.
Sempre tendo em vista a brilhante táctica política adoptada: mais certa seria a eleição presidencial quanto mais certa fosse a derrotado o PSD.

Com os resultados que todos conhecemos: a 14 de Janeiro de 1996 Jorge Sampaio é eleito Presidente da República.
À primeira volta...

Dois meses depois, em Março, realiza-se o congresso do PSD.
Foi nesse congresso que se deu um dos acontecimentos que mais me chocou na vida política portuguesa recente:
Não obstante o sacrifício de todo o partido, afinal tornado vão pela concludente e amarga derrota nas presidenciais, e não obstante o amesquinhamento político feito a Fernando Nogueira, Cavaco Silva entrou na sala do congresso, estudadamente tarde, e atravessou em pose magistral a coxia central, perante a louvaminhice indecente de todos os congressistas que, quase sem excepção, interromperam os trabalhos e se levantaram num unânime e estrondoso aplauso àquele que, afinal, tanto os tinha usado – e derrotado.

Com uma única e honrosa excepção: a da mulher de Fernando Nogueira, que na primeira fila deixou Cavaco Silva de mão estendida quando este a tentou cumprimentar...

Ao longo dos últimos anos Cavaco Silva tem recatado habilidosamente a sua imagem política, ora gerindo um tabu, ora amesquinhando mais um secretário geral do PSD, como fez recentemente com Santana Lopes, quando aconselhou os «políticos competentes a afastar os incompetentes».

Sempre com resultados absolutamente extraordinários: aí está novamente o PSD unanimemente rendido aos pés de Cavaco Silva, lançando-se uma vez mais na mesma louvaminhice indecente dos velhos tempos, uma vez mais sem se aperceber do quanto tem sido usado e manipulado.

Muito se deve andar a rir Cavaco Silva!

Porque o PSD é, de facto, um partido inigualável.
Como é notável a falta de memória de certas pessoas.

Principalmente, então, se pensarmos em tudo o que se passou nos últimos meses da governação de Cavaco Silva!...




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