sábado, 18 de dezembro de 2004

 

Lusitanas idiossincrasias – III


O «Random Precision» continua hoje a desenvolver o seu espaço de serviço e interesse públicos, sempre esperançado nos tradicionais subsídios estatais, analisando mais uma pequena particularidade do povo lusitano.
Desta vez refiro-me à importante franja dos cidadãos portugueses que são felizes proprietários de um cão.
Principalmente àqueles que estão convencidos de que o seu cão está dotado de uma espécie de cidadania (obviamente cidadania portuguesa, ainda que se trate de cães mais adaptados aos climas árcticos) que o torna superior aos restantes concidadãos, ainda que da espécie humana.
Assim sendo, e como é óbvio, o elevado estatuto social desses cães permite-lhes fazer “as suas necessidades” no mesmo e preciso local onde emerge a vontade de as produzir.
Quanto ao xixi, temos de nos conformar não só com a eliminação do líquido propriamente dito, mas também com as circunstâncias sociais decorrentes da marcação territorial associada a tão salutar exercício de cidadania.
Ainda que manchas escuras de úricos ácidos vão alindando os postes de iluminação pública, recantos variados e também jantes de automóveis.

Mas quanto ao cocó, já a coisa é bem diferente.
Aqui, o exercício dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente garantidos aos cães é muito mais importante: é que, como toda a gente sabe, os cidadãos-canídeos e os seus prestimosos donos estão absolutamente persuadidos de que constitui um direito constitucionalmente garantido pejar os passeios, pátios, vielas, ruas, travessas e avenidas, dos exemplos da mais variada consistência desse inalienável exercício de cidadania.
E que os demais cidadãos, os humanos, são obviamente subalternos desses direitos constitucionais.
E ai de quem questionar o proprietário de um cão, ou até o próprio cão, sobre algo do que aqui foi dito, pois arrisca-se a ouvir o mais popular comando civilizacional português: vai à merda, pá!

Temos pois de nos conformar: teremos para todo o sempre de caminhar de olhos pregados no chão pelas ruas das nossas cidades, em gincanas ziguezagueantes, intercaladas com pequenos e graciosos saltinhos, não vá o diabo tecê-las. E, como é óbvio, evitar o trânsito nocturno pelos locais menos iluminados, que os canídeos não têm culpa das negligências da E.D.P.
E muito menos têm culpa das distracções dos transeuntes que culminem com o esborrachar do glorioso produto de um mero e singelo exercício de um direito.
Ora essa: cada qual cuida de si!

E se aqui ao pé existe um infantário que tem o desagradável costume de trazer os miúdos a brincar no relvado próximo quando está bom tempo, e se esse relvado é também partilhado pelos canídeos dos prédios vizinhos, que entre outras coisas, colaboram desinteressadamente no seu adubo, assim favorecendo a natureza e o ambiente contra os fertilizantes químicos, teremos agora de pressionar a Junta de Freguesia a pôr cobro a esta desagradável situação e, a bem da saúde pública, a colocar no local - com a máxima urgência possível - uma tabuleta com os seguintes dizeres :

“É PROIBIDA A UTILIZAÇÃO POR CRIANÇAS”




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