terça-feira, 28 de dezembro de 2004

 

As previsões anuais


Já em tempos contei aqui que James Randi oferece um prémio de um milhão de dólares a quem consiga demonstrar, sob rigorosas condições de observação, qualquer tipo de poderes de origem sobrenatural, paranormal ou do oculto.
No site James Randi Educacional Foundation" estão detalhadamente explicadas as regras deste atractivo desafio, que é dirigido a quem se reclame possuidor de qualquer tipo de “poderes”, ou até simplesmente conheça casos de milagres, curas, visões, astrologia, tarot, cartomância, búzios, dobragem de colheres, telequinésia, psicoquinésia, visão de auras, etc. etc.

Vem isto a propósito das costumeiras previsões feitas normalmente nesta época, que pretendem adivinhar os acontecimentos mais significativos do próximo ano.
Que fique claro que nada tenho contra aqueles, que respeito, que acreditam em toda a parafernália de poderes mais ou menos ocultos que hoje estão à disposição do público consumidor.
Como é óbvio, e até porque nada tenho nada a ver com isso, aceito respeito, e até defendo, o direito à fé e à livre crença dos demais cidadãos (seja em Deus, seja nas mais diversas formas do oculto), embora esteja ciente de que, frequentemente, não me é reconhecida reciprocidade. Mas isso é outra questão.
E aceito plenamente a boa fé, sinceridade e honestidade daqueles que acreditam.

Mas uma coisa é certa: confesso que tenho muita dificuldade em acreditar na sinceridade, na boa fé e na honestidade intelectual daqueles que fazem do “oculto” a sua profissão.

Se entendo a boa fé e a sinceridade da pessoas que acreditam naquilo que um astrólogo ou um cartomante lhes diz, frequentemente em situações de desespero e angústia pessoal absolutamente compreensíveis, já tenho muita dificuldade, por outro lado, em admitir a honestidade e a sinceridade do próprio astrólogo ou cartomante.
E isto sem falar nos “bruxos” com misteriosos nomes, mais ou menos africanos, que com o maior despudor se anunciam nos jornais ao lado das linhas eróticas.
E cuja actividade, de acordo com a actual formulação do Código Penal, preenche o tipo legal do crime de burla.

Se é frequente criar-se um ascendente emocional e intelectual de um astrólogo, por exemplo, sobre o seu “cliente”, é também normal que este acredite que uma determinada conjugação de Marte com Vénus, mostrada num misterioso quadro cheio de riscos ilegíveis para o comum dos mortais, lhe vai influenciar a vida amorosa ou profissional durante o ano que aí vem.
Que haja quem acredita que a morte do Papa, um cataclismo, a decadência de uma actriz famosa, ou outras desgraças que tais, estão prenunciadas numa críptica enunciação astral, eu entendo.

O que eu não entendo é o astrólogo que as profere.
Por muito sucesso mediático de que se revista ou por muito que cobre por cada “consulta”.
Porque a formulação das previsões por um «profissional» é antes de mais um acto consciente e intelectual, e tem à partida de obedecer a premissas lógicas e muito concretas.

Peço imensa desculpa, mas não acredito que alguém que consegue encontrar a formulação verbal da previsão de uma determinada catástrofe natural, ou descortina o estado de saúde ou a previsão da vida profissional ou amorosa de um cidadão terrestre, e que as fundamenta na posição de planetas e estrelas distantes ou até em cartas atiradas aleatoriamente para cima de uma mesa, e consegue transmitir tudo isto às outras pessoas sem sequer se rir, esteja sinceramente de boa fé.
Nem acredito que alguém não esteja simplesmente a tomar por papalvo quem se dispõe a ouvir teorias tão fantasmagóricas quanto inconsistentes e cuja principal «base científica» de sustentação reside unicamente no facto de ter origem na Mesopotâmia, há mais de 10.000 anos.

Como não entendo a “Direcção de Programas” ou a Administração da televisão do Estado que permite que uma “astróloga” dê consultas em directo e aconselhe e influencie um cidadão a não investir num determinado negócio porque os «astros não são propícios».

Não concebo a honestidade intelectual de alguém cuja profissão é dizer às pessoas coisas como estas:
«Na maioria dos casos o regente da “Casa 6” refere-se ao modo como o indivíduo conduz a sua alimentação e os seus cuidados com a saúde, bem como a sua capacidade de prestar serviços» mas que «se Saturno estiver na “Casa 6” isso significa que vamos ter uma artrose».
Ou que «se o “nosso planeta” estiver em Caranguejo, os nossos problemas de saúde são derivados de problemas de família, de neuroses ou de reminiscências de traumas infantis que podem gerar problemas no aparelho digestivo e na linfa».

Pode ser que exista algures, até admito. E então o defeito é meu.
Mas pura e simplesmente não entendo que alguém que diz isto seja intelectualmente honesto e possa estar de boa fé.
Porque se estiver, desafio-o aqui desde já a concorrer ao prémio de um milhão de dólares oferecido por James Randi, e a que acima me referi.

Por isso, quando na televisão vejo um astrólogo a «actuar», já sabem o que penso dele.
E onde penso que devia estar...



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